Fotos de Adonai Rocha, ex-aluno da Universidade de Brasília, mostram ocupação da UnB em 1977. Material ficou guardado por mais de 30 anos
O ano era 1977. O Brasil vivia a ditadura militar que, na universidade, era personificada pela figura do reitor José Carlos Azevedo, capitão-de-mar-e-guerra. No dia 6 de junho, a pedido dele, a polícia invadiu o campus da UnB para reprimir os estudantes. Na semana anterior, os alunos tinham decretado greve em reação à suspensão de 16 colegas. A ocupação duraria três meses.
Adonai Rocha, calouro da Comunicação, usou sua máquina fotográfica como arma para registrar a intimidação promovida pelo regime. As imagens revelam tanto a intimidação dos homens fardados quanto a resistência dos estudantes. Sempre unidos, os alunos reclamavam melhores condições de ensino, denunciavam a falta de instalações físicas e de professores. Também criticavam a ausência de liberdade de expressão e de organização.
Para garantir que o material fotográfico não fosse confiscado, Adonai escondia os filmes no pé de árvores do campus, fora da vista da polícia. Depois, voltava para buscar. “Tirar fotos era tenso. Sacar uma câmera e apontar para os policiais era um ato de risco”, conta. “Quando os militares pegavam o filme, puxavam o negativo”, lembra Adonai.
Ano passado, quando Brasília completou 50 anos, o fotógrafo decidiu reorganizar seus arquivos. Descobriu em uma das caixas, negativos que nunca antes revelado. Neles, encontrou 60 fotos daquele tumultuado ano. “São manifestações, passeatas, éramos jovens sonhadores que não calávamos, mesmo sob a ameaça das armas”, conta Adonai Rocha.
Lembranças da resistênciaEntre aqueles corajosos manifestantes, estava o aluno de Agronomia Zeke Beze Junior. “Entrei no movimento estudantil durante a greve”, lembra ele, que estava no 2º semestre. “Fiquei indignado com a forma como a reitoria e o governo lidaram com a situação. Isso revoltava qualquer pessoa que tinha um mínimo de consciência política”.
Para Zeke, a lembrança mais marcante do período foi o dia de chegada dos militares. O Comando de Greve alertou os estudantes que se concentravam na Ala Norte do Minhocão para que deixassem o campus em grupos. Cerca de 100 jovens decidiram ficar. “A polícia começou a cercar as pessoas. Quem ficou e esboçou resistência foi preso”, lembra.
Ana Leyla Ferreira, então estudante de Comunicação, preferiu sair num grupo de quatro ou cinco pessoas. “Era importante não estar sozinho, se não eles nos carregavam e jogavam no camburão”, diz. Naquele dia, ela começou a namorar o homem com quem está casada até hoje. “Quando saímos, o Getúlio passou a mão no meu ombro, me protegeu”, recorda com romantismo.
A união de Ana Leyla e Getúlio é permeada por lembranças da época em que a UnB foi ocupada por militares. “Meu curso na UnB foi muito mais de corredor do que de sala de aula. Era difícil não participar do movimento político, não reagir”, conta Ana Leyla Ferreira.
Estudando com o inimigoUma das marcas do período era a desconfiança generalizada. “Tinha grande infiltração de policiais à paisana. A gente nunca sabia quem era um colega e quem era um traidor”. Os militares se vestiam como os estudantes e tinham até carteirinhas para se passar por eles. “Esse clima de tensão, de repressão, de deduragem, estava sempre presente. Era um clima de terror”, desabafa Zeke Beze Junior.
Por outro lado, só unidos os estudantes podiam resistir. Nesse contexto, era grande o espírito de cooperação entre eles. “A gente tinha praticamente uma universidade paralela dentro da UnB”, conta Zeke. “Apesar da ditadura, da tensão, da polícia, existia vontade de fazer as coisas, de resolver aquela situação, de discutir o Brasil”, afirma. Era comum que grupos se reunissem para discutir a literatura proibida pela ditadura: publicações marxistas, comunistas e de Paulo Freire.
Em meio aos conflitos e sendo pressionado pelos estudantes, Azevedo convocou o Conselho Universitário (Consuni) pela primeira vez em 17 de junho. O Consuni foi previsto no estatuto da UnB, mas ainda não tinha realizado reuniões até então. A reunião, entretanto, não teve o caráter democrático que dela se espera. O reitor conseguiu referendar a suspensão dos 16 estudantes e, depois disso, novas suspensões foram realizadas e alguns estudantes chegaram a ser presos.
No final de 1977, a ditadura já arrefecia. Estava em curso a abertura “lenta, gradual e segura” proposta pelo presidente Ernesto Geisel. No dia 12 de outubro, o presidente imposto exonerou o ministro do Exército, o general linha-dura Sylvio Frota, tido, até então, como seu provável sucessor. O ato de Geisel derrubou a ala conservadora e foi um dos marcos do fim da ditadura militar.
“Se o Geisel não tivesse derrubado o Frota, eles iam acabar com todos os comunistas”, diz Ramaiana Barros, autor do livro UnB 1977: o início do fim, que estudava Agronomia na universidade naquele ano. Ele estava prestes a se formar quando foi expulso em conseqüência de sua militância no movimento estudantil. “A UnB não me deu o diploma de carreira, mas me deu o diploma de vida”, afirma. “Tive o privilégio de fazer parte dessa escola”.
Eliane Cantanhêde, jornalista da Folha de São Paulo, tinha se formado na UnB em 1974. Na época da invasão militar, trabalhava na revista Veja e fazia a cobertura do movimento estudantil. “O reitor pedia minha cabeça toda hora na revista”, conta. “Naquela época, havia uma união muito grande da esquerda, da centro-esquerda e dos liberais a favor da abertura política”, afirma. “A UnB teve um papel importante nisso. Os estudantes foram bravos”, diz.
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